30 de agosto de 2013

Culpa e medo


Encolhido como uma criança que perdeu a mãe
No altar de uma velha culpa
Sacrificou todos os seus cantos
E perdeu todo os seus encantos


Numa noite fria, sozinho e vazio
Acordou e chorou -  se é que dormia
Se é que vivia / se é que existia 


Dentro e fora da alma / solidão
Terrível culpa / fantasmas
Dentro e fora da alma
Qualquer coisa
Pai ou mãe
Anjo ou demônio
Implacável juiz a gritar
A mesma danação
A mesma condenação
Culpado! Culpado! Culpado!


Condenado / sem ter para onde ir
Acorrentado, preso e amordaçado
No peito tão mirrado
Um arrependimento
Floresce tardiamente
Uma vontade agora impossível
Começar tudo outra vez
Voltar ao começo das coisas
E dizer não ao túmulo que chama
Dizer sim, num sussurro, à vida que foge
Uma última vez, outra vez
Deitar ao sol e morrer à beira do mar
Olhando de frente as chamas do sol nascente


Ah, teria sido tão mais fácil
Sacrificar tudo no altar da vida
Num dia de felicidade
Sair sem levar saudades
Vagar sem olhar para trás
Arriscar a própria vida
Sem eira nem beira
Desafiar o abismo
Olhar o fundo da escuridão
E pagar para ver a alma se resolver
E se contorcer até, talvez, renascer ou morrer
Mas a culpa, sempre a gritar: Pecado! Pecado!
As pernas paralisam e os nervos endurecem
É melhor a solidão, grita algum diabo na escuridão


Ah, homem medonho, homem desesperado
A sua sina é sempre voltar atrás
É responder envergonhando
Quando perguntado sobre a felicidade
Sim, quase fui... quase fui
Mas a culpa, o medo e o pecado


A sua sina é seguir em frente
Cabeça baixa, olhos sem luz
Peito sem inspiração
Palavras presas na garganta
Sim, pobre homem velho
O seu pecado é medonho e não tem perdão
Medo de viver... Você tem que morrer...


A sua sina é viver balançando numa corda bamba
A sua vida vai e vem, se contorcendo
Negando o mundo, negando tudo
Perdendo tudo e arriscando pouco


Sim, com efeito, no altar de uma lei estúpida
Sacerdotes de uma religião estranha
Como quem forja uma maldição
Forjaram-lhe uma máscara e uma culpa
Sacrifícios foram exigidos e oferecidos
A graça... Os cantos e os encantos
Foram-lhe arrancados e roubados


Numa noite fria e solitária
Como quem vai
Para nunca mais voltar
Ele foi levado e deixado à beira do caminho
Enclausurado no corpo, sonhando liberdades na alma
Um livro junto ao peito e uma oração nos lábios
Sonhava que vivia... E nunca mais acordou...


Era uma manhã ensolarada
Quando tudo começou e terminou
Rodeando de aves de rapina
Tarde demais
Ele dormia
Leve
E sem culpa alguma
Já não existia
Perdoado
Sorria


Sobre a lápide, a velha inscrição
Que gritava e dizia: culpado, culpado!
Se apagava pouco a pouco, como um fogo fraco
Que deixou de ser alimentando


Culpado
Como a estúpida lei
Dizia
Não era
De ter realizado
Tão medonho
Tão macabro
Pecado


Amigos e inimigos 
Gritaram e choraram
Perdoado, perdoado!... 
Finalmente, perdoado
Cedo ou tarde, veio a redenção 
Da mãe, do pai e do irmão, o perdão
Mas ele, pó lançado sobre a terra
Agora, - vida e redenção? - que importa?
Já não existia, já não vivia, já não sentia...
VBMello

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